Joaquim viveu uma vida de 37 anos como carpinteiro e hoje vive como cantor de salmos. É alguém que se transforma sem medos, tem fé em Deus, está sempre em movimento. Testemunham-no as duas bicicletas, a Piaggio em 2ª mão, o carro que agora pensa vender, as saudades de uma carrinha Mercedes. Quando há quinze anos começou a cantar não o fazia publicamente, apenas a sós, em sítios ermos, preferivelmente montanhas, em Portugal e em Espanha. Sentia-se liberto, vivo, fortalecido. E assim quis continuar.
Tornou-se vegetariano há um ano. Conheceu a comunidade Sikh de Odivelas e participou na cozinha do templo. Foi aí que observou e experimentou uma dieta e ingredientes novos: feijão mungo, gengibre, millet, miso. O bem-estar que sentia com esta alimentação foi razão suficiente para trazê-la para o seu dia a dia.
Vai partilhando as suas sopas com quem quiser experimentá-las ou com quem delas precise. Através da comida cativam-se as pessoas, fazem-se amigos. Joaquim partilhava regularmente refeições com os hortelãos da Horta do Monte. Semanalmente, aparecia na sua bicicleta, com a cadela Nica e os cachorros Eliseu e Elias, uma panela de sopa e comida vegetariana para repartir. Pão, queijo, fruta. Comia-se na horta, com o sol de fim de tarde, vista para o rio e para a Mouraria.
Na cidade não há hortas, há avenidas, ruas tortas”. O verso de uma canção* inscrito no muro que ladeia a calçada do monte torna-se temporariamente verdadeiro, depois da destruição do projeto de raiz comunitária que ali existiu. No mesmo espaço existirão hortas urbanas, em forma de talhão, haverá água e um aluguer. Joaquim até concorda com o novo projeto.
Enquanto a horta do monte durou foi bom, o fim é natural, as coisas terrenas são transitórias. Uma mesa partilhada é uma família temporária que se desfaz quando o último prato se lava.
"Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” (Eclesiastes 3:1). Joaquim vai correndo os riscos de quem escolheu ser livre e difícil de catalogar: há quem goste e quem deteste, há quem precise de o rotular, há quem prefira conversar, há quem o insulte.
Consciente de si, Joaquim é afável com uns e alheio aos outros. Vive a vida num arame, é um equilibrista, no circo, que ele admira, aprende-se a viver no mundo.
* “Na cidade” in Sérgio Godinho canta com os amigos de Gaspar.