Fica galante, pomposa, quando fala da sua comida, dos seus ingredientes africanos. São a corrente que a não deixa esquecer a Guiné-Bissau, a família, os sabores, os cheiros. Uma vida mais simples, onde o vizinho é mais do que uma relação ocasional, o sangue é só um detalhe da biologia, e falar em comida e dinheiro, não torna as pessoas desligadas. Aqui, hoje, cozinha para sobreviver. O pai de Leonor abandonou-a. Agora, quer cozinhar ainda mais. Precisa mais.
Miloca foi acolhida e acarinhada pela Mouraria, tal como muitos outros imigrantes que agora são parte da cultura do bairro. Seria impossível para ela manter o restaurante se não fosse a ajuda da Dona Tina, uma vizinha que apadrinhou Leonor: é a sua ama-avó. Sempre enérgica e com a língua espevitada ajuda a criar a criança ficando com ela enquanto a mãe trabalha. Miloca aproveita cada segundo livre para se escapulir do restaurante e espreitar a filha nos braços da vizinha.
Há dois anos que Miloca acrescenta mais paladar à Mouraria. Muitos clientes entram pela porta número 61, improváveis e fiéis. A Adriana Freire, dona da Cozinha Popular da Mouraria, veio para provar temperos africanos e ficou fã – mais tarde convidou Miloca para cozinhar também no seu espaço. Num lugar onde cada um tem as funções de muitos, Miloca não é apenas mais uma no Mundo Mouraria.